Entre Vês e Efes

...

Sinto falta da virgem folha branca roçando
Sinto falta das velas e dos violões
Sinto falta do vento frio virando vida
Sinto falta de ver feixes fatiados pela fumaça e ar
Sinto falta da face virada dos olhos fechados
Sinto falta de verdadeiras promessas falsas de um porvir
Sinto falta da velha felicidade que esvaneceu na infância
Sinto falta dos verdes mares dos floreados pomares
Sinto o vinho que vai abaixo e então
Falta v....


Carta Aberta à Paula


Querida Amiga,

Sei que tenho andado em falta, mas tenho certeza que sabes ainda mais que me acompanhas todos os dias na lembrança.

As cigarras agora cantam a todo vapor, as flamboyants começam a florir e todos anunciam a chuva do porvir. Lembro com carinho do pavor que tinhas das cigarras e as infindáveis noites de estudo regadas a café e biscoito. Ainda nos vejo meninas...

No mais, olho para o planalto, com seus monumentos e sinto uma profunda tristeza. Principalmente ao por do sol, vendo o escurecer o Palácio da Alvorada, à espera de um novo ocupante. Que vergonha.

Leio as manchetes dos jornais, ouço a opinião das pessoas, vejo os programas e tenho a nítida sensação de estar em 1964, à beira de um golpe militar. As discussões pautadas por um moralismo que parecia não existir mais. Discussões ultrapassadas em toda Europa e qualquer outro país que se preze. Quase acredito no nosso chato preferido, Thiago Jabor, e sua máxima – “a única crítica sincera que você pode fazer ao Brasil é deixá-lo”.

Recusar essa afirmação extremista é tentar ver a claridade entre migalhas de luz. E os meus olhos estão ficando cansados. Até ontem havia esperança... Mas hoje, mais uma vez leio os jornais, mais uma vez ouço as pessoas, mais uma vez vejo os programas e lá está o conservadorismo estampado, uma recusa em aceitar a diversidade, uma impossibilidade de conciliar crenças com realidades.

Precisamos nos encontrar amiga. Em breve poderei ser queimada na fogueira, junto com todas as outras bruxas que cometeram o grave erro de acreditar que um mundo menos acorrentado era possível.


Beijos de ferro e sal

















O infinito

Viver é eternamente descobrir, nesse parco tempo que nos é dado. Descobrir que as coisas mudam e continuam iguais. Que a há a decadência da religião e que há fé. Que existe um mundo desconhecido dentro de cada um. Que conhecer é uma pretensão somente possível aos homens, que colocam limites às coisas. Que podem haver lágrimas por trás de um sorriso. Que o sol de fato nasce diferente cada dia. Que existe amor e amores. Que existe cada vez mais gente e cada vez menos pessoas. Que os amigos são um alento no dia de seca. Que a chuva só vem depois dos flamboyants. Que tantas outras coisas mais...


E que, ao fim de tudo, o infinito é um lugar ao qual se possa chegar.

Carta Aberta à Luiza

Hoje, pela primeira vez desde a formatura da minha prima, coloquei o seu vestido branco. Leve, suave, você. Saudades imensas.

As ruas vão ladeadas de amarelo ipê, confirmando aos olhos a seca que a boca já sabia. Aquele nosso velho querido contraste de terra e céu. Eu queria uma flor amarela daquela...

As paineiras fazem um falso inverno, que me transporta à infância, às arvores nuas, à neve, ao conforto do cobertor. No calor do cerrado, sinto calafrios de desejos gélidos, um manto branco para cobrir o chão tão cansado. Um repouso aos olhos.

Imagino que aí também as árvores começam a dourar e em breve deitarão todas as folhas pelo chão. Aquele som craquelado sob os pés, uma brisa cristalina prenuncia o porvir.

Ontem fui ao porão do rock pela primeira vez, a serviço do figurino de uma banda. Naquele imenso combinado de metais e sons, tive algumas convicções; Que somos realmente iguais na diferença e que não se pode pretender equidade sem abrir os braços para a diversidade. Que sou muito mais feliz enquanto realizadora do que espectadora. Que a arte, com todas as suas formas de expressão, é um instrumento de poderoso diálogo com a sociedade. Que aqueles que negam a sua importância fecham os olhos para a essência do homem, que é um animal criador/criativo por excelência.

Tenho andado com uma certa moleza no peito, quase tudo faz saltar lágrimas aos olhos. A doçura entre uma avô e neta, o sol de fim de tarde, o ardor lento da fumaça no peito, uma ligação perdida, a pobreza de um mendigo de muletas, e principalmente, a pobreza de espírito. Até mesmo estas linhas me fazem querer chorar.

Ia te escrever mais, amiga. Porém a máquina da burocracia engoliu a minha poesia e cuspiu de volta a despretensão.

Cuide muito bem de você.
Beijos de flor de laranjeira

Dani



Melissa, depois de alguns acontecimentos em sua vida, decide ir morar com sua avó Viola. Desde que a avó ficou viúva, ela mora reclusa em uma chácara longe da cidade, da família, dos amigos. Inesperada, assim, a visita da neta. Uma terá de partir, a outra ainda tem tanto a viver. Mas a vida, assim como a morte, não é óbvia, nem segue os caminhos que imaginamos. Uma estória sobre conhecer e re-conhecer, um encontro na despedida.

Simples assim – duas personagens, uma casa – o teatro. Um espetáculo que visa a singeleza da encenação para que o público possa se sentir em casa. Na casa da avó. Ouvir as coisas que aqueles que nos precederam possam ensinar. E ao mesmo tempo, confrontado com o contemporâneo, o frescor da juventude dos netos.
Destarte, a montagem de Sempre Cedo permitirá um encontro entre gerações, uma reflexão sobre o tempo, elemento inexorável da vida.


A passagem do tempo e a imprevisibilidade do fim provocam inquietações no ser humano desde os primórdios de sua existência. A dificuldade de lidar com a finitude da vida sempre esteve presente na história da humanidade. A certeza da morte gera incalculáveis incertezas, anseios e medos sobre a vida. Porém, ainda que esta pauta seja constante, a forma com que se percebe o tempo e, conseqüentemente, o viver e o partir, está em eterna mutação, juntamente com a evolução da sociedade.












A idéia impulsora do presente projeto é trazer, em linguagem teatral, a discussão dessas questões dentro de uma situação cotidiana. Estabelecer um diálogo com os Questionamentos da sociedade contemporânea a partir de diferentes perspectivas, representadas pelas personagens Viola (avó) e Melissa (neta).

Escolher duas personagens com idades tão distintas permite não apenas um embate de diferentes compreensões de mundo, mas também trazer a tona um tema pouco tratado – da inexistência de idade para falecer, nem para recomeçar. Uma terá de partir, a outra ainda tem tanto a viver. Mas a vida, assim como a morte, não é óbvia, nem segue os caminhos que imaginamos.

A peça será, destarte, ponto de partida para uma compreensão mais humana da velhice e menos displicente da juventude. A possibilidade de conciliar-se com a fragilidade da existência, na confiança de que somos – todos e somente – humanos.




Atrizes

Adriana Lodi

Valéria Rocha


Direção

Daniela Diniz


Assistente de Direção

Mirella Façanha


Produção

Dani Façanha


Iluminação

Guilherme Bonfanti


Cenografia

Aurora dos Campos


Figurino

Marcus Barozzi


Maquiagem e Design Gráfico

Rubens Fontes