Carta Aberta à Paula


Querida Amiga,

Sei que tenho andado em falta, mas tenho certeza que sabes ainda mais que me acompanhas todos os dias na lembrança.

As cigarras agora cantam a todo vapor, as flamboyants começam a florir e todos anunciam a chuva do porvir. Lembro com carinho do pavor que tinhas das cigarras e as infindáveis noites de estudo regadas a café e biscoito. Ainda nos vejo meninas...

No mais, olho para o planalto, com seus monumentos e sinto uma profunda tristeza. Principalmente ao por do sol, vendo o escurecer o Palácio da Alvorada, à espera de um novo ocupante. Que vergonha.

Leio as manchetes dos jornais, ouço a opinião das pessoas, vejo os programas e tenho a nítida sensação de estar em 1964, à beira de um golpe militar. As discussões pautadas por um moralismo que parecia não existir mais. Discussões ultrapassadas em toda Europa e qualquer outro país que se preze. Quase acredito no nosso chato preferido, Thiago Jabor, e sua máxima – “a única crítica sincera que você pode fazer ao Brasil é deixá-lo”.

Recusar essa afirmação extremista é tentar ver a claridade entre migalhas de luz. E os meus olhos estão ficando cansados. Até ontem havia esperança... Mas hoje, mais uma vez leio os jornais, mais uma vez ouço as pessoas, mais uma vez vejo os programas e lá está o conservadorismo estampado, uma recusa em aceitar a diversidade, uma impossibilidade de conciliar crenças com realidades.

Precisamos nos encontrar amiga. Em breve poderei ser queimada na fogueira, junto com todas as outras bruxas que cometeram o grave erro de acreditar que um mundo menos acorrentado era possível.


Beijos de ferro e sal

















Um comentário:

  1. Não deixe jamais morrer nossas meninas! Elas estão vivas e ainda dançam.
    Tenho saudades das cigarras, dos estudos, dos cafés, das danças e das risadas.
    Aqui tem feito dias azuis e frescos. Mas ando com pouco tempo para aproveitá-los. Pena!
    Precisamos nos encontrar!
    beijos de sol.

    ResponderExcluir